“Hã?! Não entendi! Repete, mãe!” E lá foi ela, emendando outro assunto. De novo, insisti: “Não entendi nada, mãe!” Ela olha pra mim, sem responder, e saiu andando, resmungando para si mesma. No final, só captei um comentário solto: “Acho que ele tá ficando surdo!”
Esse é um momento que se repetiu várias vezes aqui em casa, até o início dos tremores. Nem eu nem ela percebíamos o que realmente ocorria com os gaps nas conversas do dia a dia. Foi aí que meu periscópio começou a subir e eu a ficar observando as interações de minha mãe conosco.
E os dias foram passando, as semanas também. Às vezes, comentava com minhas irmãs: “Será que mamãe está ficando esquecida?” Andréa arregalava os olhos, repetia “Será?” e o assunto morria ali. Não lembro se cheguei a falar disso por telefone com Fábio, meu irmão. Já com Cláudia, a caçula – tão parecida comigo em alguns aspectos, mas com um pavio bem mais longo – parecia que seu “periscópio” também começava a subir.
Mas a vida corrida jogava o tema pra escanteio. E aqui em casa, como minha tia e as primas de Mesquita – ou seja, o lado Sá da família -, sempre repetimos o mesmo assunto algumas vezes – não vamos exagerar e dizer muitas vezes – na mesma conversa. Continuamos achando que era esquecimento. Natural, na velhice. Mito ou verdade? Não mita nem minta, deixa o “periscópio” observando. Cansou de observar, procure seu médico e fale, fale, fale, até acontecer mais um gap na frente dele.
Mas a vida continuou corrida até o dia em que mamãe foi tirar um cochilo depois do almoço – lembrei da Marcinha, amiga de infância, que comentou no nosso grupo que tira uma soneca pós-almoço. Eu estava trabalhando na sala – no post anterior falei porque tirei os computadores da suíte – quando ouvi um barulho duro e seco, seguido de um “Ai, ai, ai!”. Corri até o quarto e vi minha mãe caída no chão. Não fiz graça. Vê-la assim, chorando, apertou até o último fiapo de luz da minha alma.
Respirei fundo. Pedi a ela pra se acalmar. Observei e fui levantando-a devagar. Trouxe ela pra sala, a sentei no sofá e fui buscar gelo. Perguntei se doía muito, se estava tonta e falei: “Vamos pra emergência!”.
Lá na clínica, o médico examinou e viu que ela não apresentava nenhuma alteração. Conversando, disse que esse era uma série de tombos que ela vinha sofrendo há pouco mais de um ano. O médico , então, pediu uma tomografia do crânio para descartar qualquer fratura ou fissura. E, ao final, a liberou e disse para, quando saísse o resultado, voltarmos no especialista.
Hoje entendo melhor que, em situações de trauma, o caminho é claro: do “periscópio” pra cima, o especialista é o neurologista e do “periscópio” pra baixo é o ortopedista. Naquele época, no dia seguinte, voltamos ao ortopedista com o exame em mãos. Batemos na porta errada.
Mas, como minha mãe já era paciente do Dr. Leonardo, ele ainda assim viu a imagem e disse que não tinha fratura nem fissura. Ufa! Alívio! Só que não! Ele falou que fôssemos ao neurologista para ter mais detalhes da imagem na tomografia.
E os “periscópios”, meu e da minha mãe, foram subindo, subindo e subindo, enquanto levantávamos e saíamos do consultório.
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